quarta-feira, 20 de março de 2013

AÇÃO DOS BOMBEIROS EM DEBATE



ZERO HORA 20 de março de 2013 | N° 17377

SANTA MARIA, 27/01/2013

CARLOS WAGNER, 
FRANCISCO AMORIM E 
HUMBERTO TREZZI

Ao aventar a possibilidade de indiciar bombeiros envolvidos no resgate da boate Kiss, em Santa Maria, delegados responsáveis pelo caso colocam em pauta os limites éticos da ação de agentes públicos em momentos de crise.

A possibilidade de responsabilizar ao menos três PMs que teriam, não apenas permitido a participação de civis no resgate, mas supostamente também incentivado o ingresso de voluntários sem treinamento e equipamentos apropriados dentro da casa noturna em chamas repercutiu nas redes sociais.

As discussões acaloradas entre internautas se baseiam em uma questão central: em um cenário descrito como praça de guerra por testemunhas, qual deveria ter sido a conduta dos bombeiros que tentavam salvar vidas? Isolar o local, aceitar ajuda de civis ou incentivar a participação de voluntários no combate ao incêndio?

Se dependesse das redes sociais, os bombeiros seriam absolvidos (veja manifestações ao lado). Em cinco horas, um mural em zerohora.com registrou 93 comentários favoráveis e 45 contrários. Pelo Facebook, manifestações ainda mais generosas: 159 pró-bombeiros e 56 críticas. Especialistas consultados, porém, são mais cautelosos.

Com experiência na área de Sociologia da Ética, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Renato de Oliveira afirma que há pouco espaço para controvérsias se confirmadas as declarações de testemunhas de que bombeiros pediram ajuda a civis no resgate:

– Se houve incentivo, não há justificativa ética. Há uma responsabilidade individual desses agentes, que são treinados para avaliar os riscos. Do ponto de vista da ética das profissões, não haveria explicação para a postura dos bombeiros se assim agiram.

Conduta também é apurada em IPM

Para o doutor em Sociologia pela L’École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, a interpretação é outra se os bombeiros apenas não conseguiram conter o ímpeto altruísta dos jovens envolvidos no resgate.

– Uma pessoa, por um impulso solidário, pode se expor sem avaliar o risco. É dever dos bombeiros evitar essa exposição. No entanto, tem de se analisar se os bombeiros tinham condições de contê-los. Pelo que vemos nas imagens, me parece que não. Neste cenário, acredito que o Estado deveria ser responsabilizado pela falta de estrutura e preparo dos bombeiros – explica Oliveira.

A visão do cientista social é a mesma do oficial à frente da investigação militar. Mesmo sem antecipar detalhes do inquérito policial-militar que apura supostas falhas dos bombeiros na tragédia, o coronel Flávio Lopes não vê justificativas para “ações que exponham civis a perigo”. Segundo ele, a magnitude da tragédia não atenua falhas.

– Assim como não se troca um civil por outro em uma situação com refém, não se pode permitir ou empregar voluntários sem equipamentos e treinamentos em um incêndio. Com isso, você só coloca mais uma pessoa em risco – pondera.

Apoiado no fato de que a investigação está em curso, o oficial preferiu não antecipar seu juízo sobre possíveis falhas ou condutas inadequadas. O oficial, no entanto, ressalta que uma eventual responsabilização pode variar do abandono de pessoa a risco até tentativa de homicídio.

– Estamos apurando a conduta de todos os PMs no episódio, não apenas bombeiros.

As críticas levaram o comandante dos bombeiros de Santa Maria, tenente-coronel Moisés Fuchs, a desabafar ontem na Câmara de Vereadores. Utilizando o espaço da Tribuna Livre, o oficial defendeu a tropa:

– Temos nosso grau de limitação, mas Santa Maria é modelo de prevenção.



Três podem ser indiciados

Pelo menos três soldados e suboficiais ligados ao Grupo de Incêndio da cidade podem ser indiciados por homicídio – caracterizado na omissão e atos de imprudência durante a operação de salvamento dos frequentadores da danceteria. Só não há certeza do indiciamento porque o Ministério Público reluta em, num segundo momento, denunciar os envolvidos à Justiça, já que teriam participado do socorro.

Os cinco delegados que investigam o incêndio estão convencidos de que um grupo de bombeiros (pelo menos três militares) não fez tudo o que poderia para evitar as mortes e, além disso, expôs voluntários a risco. Os bombeiros teriam convocado populares como voluntários para entrar na boate, contrariando normas básicas.

Esses salvadores improvisados ingressaram no local de incêndio sem qualquer equipamento de segurança ou treino. O pior nisso tudo é que cinco pessoas que entraram para salvar os frequentadores da boate também morreram, sufocadas pelos gases tóxicos.

– Falamos com familiares desses mortos e comprovamos que todos morreram após voltarem como voluntários, numa operação estimulada pelos bombeiros. Bombeiros fizeram outros assumirem um risco que deveria ser de pessoas treinadas – pondera um dos delegados que participam da investigação.

O indiciamento pode ser por homicídio doloso eventual (assumiram o risco de provocar mortes) ou por homicídio culposo (no caso, por imprudência).

Os policiais estão amparados em depoimentos prestados por 28 bombeiros e também por testemunhas-chave, que estavam na boate durante o incêndio.

Um dos jovens que teriam sido salvos por voluntários é a estudante Pâmela Vedovotto Machado, 19 anos. Rafael de Oliveira Dorneles, 31 anos, atravessou a danceteria com ela no colo, deu meia volta e ingressou de novo no turbilhão de fumaça em que estava mergulhada a boate. Caiu e morreu em seguida, sufocado por gases venenosos. Os dois não se conheciam. Pâmela estava ao lado do palco e, na fuga, foi prensada contra os bretes metálicos que estavam na porta da boate. Asmática, quase não conseguia respirar. Surgiu então Rafael, que reparou na aflição da estudante e a carregou.

A imagem que Pâmela tinha dos bombeiros ficou arranhada após aquela madrugada trágica. A estudante questiona a conduta de alguns profissionais envolvidos no socorro .

– Quem entrava na boate eram os garotos, clientes e seguranças. Os jovens voluntários é que davam machadadas nas paredes, tentando tirar vítimas. Por que os bombeiros não amarraram uma corrente a um caminhão e puxaram as paredes?

A reportagem tentou ouvir o comandante dos bombeiros de Santa Maria, tenente-coronel Moisés Fuchs, na manhã de ontem, mas ele disse que as explicações sobre o incêndio na Kiss só podem ser dadas pela assessoria da Secretaria da Segurança Pública.





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