domingo, 12 de maio de 2013

SOLDADOS HUMILHADOS E REFÉNS DO CRIME




ZERO HORA 12 de maio de 2013 | N° 17430

SOLDADOS HUMILHADOS. PMs reféns do crime


Em maior número, usando carros novos e potentes e portando armas de guerra como fuzis e metralhadoras, quadrilhas dominam brigadianos e levam terror a pequenas cidades do interior do Rio Grande do Sul

TAÍS SEIBT


Policiais militares de pequenas cidades gaúchas estão constrangidos.

Eles não dizem isso. Não verbalmente. Mas quando desviam o olhar e engolem a voz para falar que foram rendidos por criminosos, dá para perceber. Eles são formados para proteger a população e reprimir o crime, não estão preparados para serem vítimas. Acabaram virando reféns de quadrilhas que se aproveitam de estar em maior número e com armamento de guerra para anular a ação policial e ter liberdade para saquear bancos em série, levando terror a municípios miúdos de norte a sul do Estado.

No episódio mais recente, segunda-feira, dois PMs foram colocados no porta-malas de um veículo em Sarandi, norte do Estado. Na sexta-feira anterior, quatro homens com uniforme semelhante ao usado pela Polícia Civil renderam dois policiais. Em 22 de abril, Pedras Altas, na Campanha, teve um PM foi rendido, e a viatura usada na fuga. A série de ataques começou em Campestre da Serra, em 28 de março, com três PMs reféns – um algemado diante do cordão humano em frente a um dos bancos saqueados.

– A comunidade fica em choque, porque nós somos a referência para a segurança deles, e de repente eles nos veem rendidos – desabafa um soldado que ficou algemado por cerca de 15 minutos, sofrendo ameaças e ouvindo deboches sobre seu salário.

O dano psicológico às vítimas e suas famílias é inevitável. Tanto que um deles, feito refém em Pedras Altas, segue afastado de suas atividades por recomendação psicológica. Onde o efetivo já era insuficiente, um policial a menos torna a estrutura mais vulnerável: restou um único PM para guarnecer toda a cidade.

De acordo com Leonel Lucas, presidente da Associação Beneficente Antonio Mendes Filho (Abamf), que representa os PMs, o clima no Interior é de preocupação.

– Sabemos da dificuldade de efetivo, mas também falta equipamento. Começa até no carro. Eles (os bandidos) chegam com carro 2.0, com toda a potência, enquanto a Brigada tem um 1.0. Isso quando tem carro. Em algumas cidades, nem radiocomunicador nem celular funcional os PMs têm para chamar reforço – relata Lucas.

Essa realidade, somada aos últimos acontecimentos, leva preocupação às famílias, o que só aumenta a tensão do policial a cada vez que calça os coturnos.

– Coloco a farda e já fico nervoso, não estou brincando. As crianças não querem nem ir à aula – conta um policial feito refém em Fagundes Varela, pai de três meninas, de 11 anos, de seis anos e de dois meses.

Conforme o tenente-coronel Leonel Bueno, que responde pelo Comando Regional de Policiamento da Serra (CRPO), região que teve dois assaltos com PMs reféns, a BM está buscando o amparo de saúde e psicológico tanto para as pessoas que foram vítimas, quanto para suas famílias.

– Mas esquecer, ninguém esquece uma situação dessas – reconhece.


AÇÕES OUSADAS - Bandidos prendem policiais quatro vezes em 42 dias

- CAMPESTRE DA SERRA, 3,2 MIL HABITANTES - 28 de março – Três policiais são rendidos por criminosos que roubam três bancos. Um dos policiais foi algemado pelos bandidos.

- PEDRAS ALTAS, 2,2 MIL HABITANTES - 22 de abril – Antes de atacar as agências do Banrisul e do Sicredi, bandidos rendem o único policial em serviço e usam a viatura na fuga.

- FAGUNDES VARELA, 2, 5 MIL HABITANTES - 3 de maio – Usando uniforme da Polícia Civil, uma quadrilha rende dois PMs e atacam agências do Sicredi e do Banco do Brasil.

- SARANDI, 21 MIL HABITANTES - 6 de maio – Bandidos assaltam o Banco do Brasil, usando reféns de escudo. Dois policiais militares são colocados no porta-malas de um carro.



POLICIAL PRESO NO PORTA-MALAS

FERNANDA DA COSTA


Reagir poderia significar uma sentença de morte para o soldado da Brigada Militar de Sarandi, de 26 anos, na manhã de segunda-feira. Não reagir, porém, era ter de passar por cima da própria função: proteger os moradores.

Quando o soldado viu uma submetralhadora apontada para a sua cabeça, na manhã da última segunda-feira, teve de engolir o orgulho.

Filho de um sargento com 25 anos de Brigada Militar, o policial escolheu o ofício há sete anos, por amor à profissão. Gostava de estar na equipe de patrulhamento ostensivo, mas, em função do trauma, voltar para as ruas agora exigirá um esforço adicional à coragem: superação.

Na manhã de segunda-feira, ele dirigia uma viatura da corporação em um patrulhamento de rotina pelo centro do município, acompanhado por um colega. Era por volta de 11h30min, quando foram abordados por cinco homens em um Tiida, com vidros escuros. Segundo o soldado, os bandidos, em maior número, tinham armamento mais potente. Enquanto portavam fuzil e submetralhadora, os soldados tinham apenas pistolas.

– Com certeza não estaríamos vivos se reagíssemos. Eles mandaram a gente sair com os braços para cima – relata, preferindo não ter o nome divulgado.

Eles foram desarmados pelos bandidos e usados de escudo para invadir a agência do Banco do Brasil da cidade, próxima ao local onde foram abordados. Na fuga, os assaltantes resolveram colocá-los no porta-malas do Tiida, deixá-lo aberto, e partir em alta velocidade.

– Não entendo porque não nos deixaram ali, estávamos desarmados. Foi o pior momento.

Por meio do teto solar, um dos bandidos atirava em direção aos policiais que os seguiam, iniciando um tiroteio. No meio do fogo cruzado, o soldado refém acabou sendo ferido por um dos tiros, nas costas.

– A primeira reação que tive foi verificar se ainda sentia minhas pernas – relata o policial.

Ele foi socorrido pelo pai, que acompanhou a perseguição com o próprio carro.

– Pai, não deixe eu ficar paraplégico – ouviu o sargento do filho o durante o deslocamento ao hospital mais próximo.

Na casa de saúde do município, o soldado mostra confiança na plena recuperação, mas as lembranças do dia em que foi refém ainda permanecerão como feridas abertas.

– Temos que defender o cidadão com as nossas vidas, mas não está nada fácil.






“Vai arriscar morrer com esse salário?”

Eram 12h30min quando uma Space Fox emparelhou com o Prisma da BM. Os ocupantes baixaram os vidros rapidamente e abriram fogo com espingardas calibre 12. O policial chegou a revidar, mas acabou rendido.

Na sequência, os assaltantes retiraram o colete e a pistola dele e dos outros dois colegas. Um deles foi deixado para trás porque estava sangrando – um tiro, sem gravidade, havia atingido o pescoço. Em frente ao Banco do Brasil, o soldado foi algemado – por cerca de 15 minutos, para surpresa da população, enquanto o bando levava o outro policial até o Banrisul. O grupo ainda roubou o dinheiro do Sicredi. O soldado ainda sofreu com deboches, ameaças e agressões dos criminosos.

– Eles bateram muito na gente. Diziam: “vai arriscar morrer com esse salário de fome?” – lembra o policial.

A exposição ao risco reforçou a vontade de mudar de carreira. Concluindo faculdade de Ciências Contábeis, ele pretende prestar concurso para a Polícia Federal. Desde que voltou ao trabalho, após 30 dias de afastamento por conta de um coágulo na cabeça, o rapaz fica em alerta sempre que vê um carro com placas de fora. O posto da BM fica aberto somente 12 horas. Os policiais evitam ficar sozinhos, principalmente no intervalo de almoço, quando os bancos são mais visados. Como são apenas três, a solidão acaba sendo inevitável em alguns momentos. A preocupação também.



CONTRAPONTOS

O que diz o titular da Delegacia de Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil, Joel Wagner - Como foram vários roubos nesses moldes, acaba despertando a vontade de praticar esse tipo de delito em outras pessoas, que acabam formando um bando, normalmente com armas bastante pesadas, e praticam o mesmo tipo de crime. A maioria dos envolvidos não tinha antecedentes por roubo a bancos, praticavam outros tipos de roubos patrimoniais, como residências, postos de combustíveis e propriedades rurais.


O que diz o comandante–geral da Brigada Militar, coronel Fábio Duarte Fernandes - A cultura vigente é de que viatura e efetivo resolve o problema da segurança, mas não é só isso. Tecnologia e gestão precisam caminhar juntos. A BM foi participante e resolutiva, cercando as regiões atacadas e realizando prisões.









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